Introdução à Inteligência Artificial - algumas ideias para o ensino fundamental

Nos últimos anos, tem crescido consideravelmente a preocupação de profissionais e especialistas em educação a respeito da inteligência artificial (IA). Entre os extremamente otimistas, que acreditam que a IA vai nos salvar de todo o mal, e os pessimistas, que fogem dessas ferramentas e preveem um apocalipse maquínico, acredito que, a melhor saída é a informação e o uso consciente dessas (e quaisquer outras) ferramentas. E essa consciência começa na sala de aula.

Neste post, vou apresentar algumas atividades que realizei com estudantes de 7º e 8º ano do ensino fundamental, mas que poderiam ser utilizadas com várias outras turmas, a depender do seu contexto de atuação e dos recursos disponíveis. 

Embora algumas dessas atividades tenham sido realizadas em uma sequência didática, aqui neste post elas não serão apresentadas em sequência. A ideia não é compartilhar uma "receita de bolo", mas sugerir alternativas para inserir a inteligência artificial no debate, promovendo um uso responsável e consciente. Fique à vontade para anotar as ideias que fizerem sentido para você, adaptar e comentar!

Aprendizado de Máquina - Quick, Draw! e Teachable Machine

Para introduzir o conceito de aprendizado de máquina e como ele se relaciona à inteligência artificial que utilizamos em nosso dia a dia, gosto muito de utilizar duas ferramentas gratuitas do Google: o Quick, Draw! e a Teachable Machine. No meu caso, utilizei as duas ferramentas na sequência, mas lembre-se que você é livre para utilizar aquela que julgar melhor para o seu contexto!

Na primeira aula sobre inteligência artificial, antes mesmo de definir os termos-chave do assunto, apresentei aos meus alunos, na minha tela, o site do Quick, Draw! Sem muitas explicações prévias, deixei que eles explorassem o site, em duas rodadas de seis desenhos cada. Nesse período, eu também entrei na brincadeira, mostrando a eles minhas poucas habilidades como desenhista. Ao final da segunda rodada, foi o momento da reflexão. 

No Quick, Draw!, quando você termina uma rodada, os resultados são apresentados em uma tela, para que você possa comparar aos resultados de outras pessoas. Assim, ao clicar com os desenhos que não foram identificados pela máquina, os estudantes viram que isso ocorreu porque a ferramenta utilizou como modelo desenhos muito diferente dos seus, ou porque os seus desenhos eram mais parecidos com algum outro objeto. Com essas informações, e a partir das discussões dos próprios estudantes, chegamos ao conceito de aprendizado de máquina, ou seja, o uso de dados (neste caso, os desenhos) para treinar uma máquina a reconhecer padrões, tomar decisões e/ou fazer previsões.

Reprodução (Quick, Draw!)

Na aula seguinte, o mesmo grupo foi apresentado ao Teachable Machine, uma ferramenta gratuita que nos permite criar classes de dados para treinar um modelo a identificar e classificar exemplos. Em duplas, os estudantes utilizaram suas próprias imagens (como vídeos e fotos), ou de objetos da sala de aula para criar diferentes classes de dados e treinar seus modelos. Depois, as duplas testaram os modelos criados umas pelas outras e fizemos uma nova rodada de discussão. Ali, os estudantes se perguntaram por que um determinado exemplo não foi reconhecido ou categorizado corretamente e, a partir daí, começaram a refletir sobre temas ainda mais complexos, como viés, racismo algoritmo e outras questões (que foram abordadas com mais profundidade em outros momentos).

Reprodução (Teachable Machine)


Algoritmo e Pesquisa

É muito comum que nossos estudantes associem a inteligência artificial apenas a ferramentas de IA generativa, mas eles precisam saber que ela está presente em vários outros recursos que utilizamos em nosso dia a dia, inclusive os mais simples, como a pesquisa. Uma forma muito simples de ver como isso funciona na prática é pedir para que um mesmo termo ou palavra-chave seja pesquisada por todos os estudantes ou grupos ao mesmo tempo.

Quando fiz esta atividade com minhas turmas, pedi para que cada um pesquisasse um único termo, como "música pop", ou "viagem de férias". Então, pedi que eles se levantassem e fossem à mesa de um colega para comparar os resultados e identificassem semelhanças e diferenças. E aí, começaram as respostas: "os primeiros resultados são iguais", "no computador dele apareceu um resultado diferente do meu", e por aí vai...

Com a minha própria tela projetada, comecei, então, a explorar os resultados, identificando resultados patrocinados, categorias de resultados (agrupados por imagens, vídeos, etc.), e levantando hipóteses sobre as semelhanças e diferenças. Os próprios estudantes começaram a pontuar fatores que podem influenciar em seus resultados de pesquisa: conteúdos patrocinados, preferências de navegação, localização, recursos de segurança, idade, gênero, entre outros.

Ética e Viés em Ferramentas de IA Generativa

Em uma aula que sequer tratava de inteligência artificial, uma turma de 6º ano estava usando o recurso de criação de imagens por IA do Canva. Um certo grupo queria ilustrar um livro sobre Malala Yousafzai, a ativista paquistanesa que se tornou reconhecida por lutar pelo direito à educação para as meninas de seu país. Mas, a cada prompt que esse grupo inseria pedindo uma ilustração sobre o Paquistão, o resulatdo era mais desolador.

Todas os resultados traziam imagens sombrias, de guerra, destruição, sujeira e tristeza. O mais legal de tudo isso foi que uma das integrantes do grupo se recusou a utilizar qualquer uma daquelas imagens, e me procurou para ajudá-las a encontrar uma imagem diferente. Foi aí que discutimos o conceito de prompt e como podemos refinar prompts e treinar ferramentas de IA generativa (e a nós mesmos) para que não reproduzam viezes.

A mesma situação se repetiu em outra turma, desta vez com uma ilustração sobre a autora Carolina de Jesus, com uma turma do 8º ano, quando um aluno se recusou a ilustrar uma favela triste e sem cor. Provavelmente, situações como esta se repetem todos os dias, inclusive em ferramentas educacionais, que deveriam ser as que menos sofrem as influências de preconceitos e viezes de raça, gênero e classe social. Mas, o importante é que, quando acontecer, nós precisamos estar preparados para desafiar esses viezes e treinar essas máquinas para que não reproduzam desigualdades e injustiças.

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